23 Jun - 18 Jul 2024
Há coisas que se manifestam de forma tão gritante que já não damos por elas, passando despercebidas até se tornarem insustentáveis. Como no filme "Céu em Chamas" de Christian Petzold, onde o realizador fala magistralmente de coisas sem as mencionar, ou em "Evil doesn’t Exist" de Ryûsuke Hamaguchi, onde este grande realizador conta a história a partir de um detalhe, de um gesto pequeno, mas expressivo, tão carregado de profundidade que inquieta (um gesto que subsume a turistificação, a apropriação cultural, o sentimento de superioridade do urbano frente ao rural, uma relação extrativista com a natureza).
Em contraste com esse não ver e não sentir, em "A Flor do Buriti" de João Salaviza e Renée Nader Messora, em "20.00 Espécies de Abelhas" de Estibaliz Urresola Solaguren e em "A Irmandade da Sauna" de Anna Hints, há uma relação diferente e mais harmoniosa com o vivo, onde se destacam práticas e saberes ancestrais. "O Rapaz e a Garça" é a bisagra entre a denúncia e uma postura mais propositiva, um filme que é uma carta (futuramente póstuma, para quando ele morrer) do grande maestro japonês de animação Hayao Miyazaki para o seu neto, uma carta de amor que transmite as suas fundadas inquietações sobre as guerras e sobre o modo como estamos a habitar o mundo, ou melhor dito, os mundos.
* O título deste texto é retirado de uma passagem do livro "Futuro Ancestral", de Ailton Krenak.
Candela Varas